Refrações de Rodolfo Quinafelex sobre o livro “Modernidade Líquida” de Zygmunt Bauman.
“Os espetáculos tomam o lugar da supervisão sem perder o poder disciplinador do antecessor. A obediência aos padrões tende a ser alcançada hoje em dia pela tentação e pela sedução e não mais pela coerção – e aparece sob o disfarce do livre-arbítrio, em vez de revelar-se como força externa”. (p. 101)
“Muitos, talvez a maioria, são nômades sem abandonar suas cavernas. Podem ainda buscar refúgio em seus lares, mas dificilmente acharão lá o isolamento, e por mais que tentem nunca estarão verdadeiramente em casa: os refúgios tem paredes porosas, onde se espalham fios sem conta e que são facilmente penetradas por ondas aéreas. Essas pessoas são, como a maioria antes delas, dominadas e “remotamente controladas”; mas são dominadas e controladas de uma maneira nova. A liderança foi substituída pelo espetáculo: ai daqueles que ousem lhes negar entrada. Acesso à “informação” (em sua maioria eletrônica) se tornou o direito humano mais zelosamente defendido e o aumento do bem-estar da população como um todo é hoje medido, entre outras coisas, pelo número de domicílios equipados com (invadidos por?) aparelhos de televisão. E aquilo sobre o que a informação mais informa é a fluidez do mundo habitado e a flexibilidade dos habitantes”. (p. 177)
Esqueça o Big Brother e o modelo do panóptico. Seriamos hoje vigias de nós mesmos? Escolhemos ser escravos ao optarmos pela massificação da informação e por expor nossas vidas a níveis que nunca pensamos? Ninguém nos obriga a compartilhar nada, e mesmo assim, cada vez mais pessoas sentem a necessidade de compartilhar qual foi a comida, o restaurante, o filme, o sentimento. Se estabeleceu nas redes sociais mais do que a beleza e praticidade da comunicação segmentada por gostos e relevância. Por trás do perfil, pessoas se perdem em meio a diálogos digitais, que mudaram a maneira como construímos ideias, registrando textos rasos que podem para sempre invalidar nossos argumentos. A rede social não permite erros, mas os erros sempre acontecem.
“Não há mais “o Grande Irmão à espreita”: sua tarefa agora é observar as fileiras crescentes de Grandes Irmãos e Grandes Irmãs e observá-las atenta e avidamente, na esperança de encontrar algo de útil para você mesmo: um exemplo a imitar ou uma palavra de conselho sobre como lidar com seus problemas, que, como os deles, devem ser enfrentados individualmente, e só podem ser enfrentados dessa forma. Não há mais grandes líderes para lhe dizer o que fazer e para aliviá-lo da responsabilidade pela consequência de seus atos; no mundo dos indivíduos há apenas outros indivíduos, assumindo toda a responsabilidade pelas consequências de ter investido a confiança nesse e não em qualquer outro exemplo”. (p. 39)
Seria esse momento em que vivemos uma transição, ou de fato um novo modelo de como viver? Se passamos de uma fase sólida para a líquida, qual será o limite e como podemos controlar a vazão pela qual nosso tempo escapa? Esse tempo que se tornou cada vez mais precioso. Na Modernidade Líquida de Bauman, fica a sensação a todo momento que tudo se dissipa e que o curto prazo é a única constante. Em suas próprias palavras, “A “escolha racional” na era da instantaneidade significa “buscar a gratificação evitando as consequências”, e particularmente as responsabilidades que essas consequências podem implicar. Traços duráveis da gratificação de hoje hipotecam as chances das gratificações de amanhã. A duração deixa de ser um recurso para tornar-se um risco”.
“É difícil conceber uma cultura indiferente à eternidade e que evita a durabilidade. Também é difícil conceber a moralidade indiferente às consequências das ações humanas e que evita a responsabilidade pelos efeitos que essas ações podem ter sobre outros. O advento da instantaneidade conduz a cultura e a ética humanas a um território não-mapeado e inexplorado, onde a maioria dos hábitos aprendidos para lidar com os afazeres da vida perdeu sua utilidade e sentido. Na famosa frase de Guy Debord, “os homens se parecem mais com seus tempos que com seus pais”. E os homens e mulheres do presente se distinguem de seus pais vivendo num presente “que quer esquecer o passado e não parece acreditar mais no futuro”. Mas a memória do passado e a a confiança no futuro foram até aqui os dois pilares em que se apoiavam as pontes culturais e morais entre a transitoriedade e a durabilidade, a mortalidade humana e a imortalidade das realizações humanas, e também entre assumir a responsabilidade e viver o momento”. (p. 149)
Quanto tempo? E nesse tempo, estaríamos apenas sentindo como ele escapa por nossos dedos, simplesmente pela velocidade como tudo passa? Independente do estado em que vivemos, e de como o curto prazo se faz mais presente do que o longo prazo, seria tudo isso apenas uma percepção nostálgica de que mudamos e de que não voltaremos a ser como fomos? Seria difícil aceitar que o tempo passou, e que com isso, temos que lidar com o espaço vazio deixado pela morte daqueles que amamos, dos sonhos que não se realizaram, e dos planos que nunca saíram do papel? Seria a nostalgia uma visão que coloca o passado como o tempo ideal apenas porque antes era mais fácil sonhar?
“O encontro de estranhos é um evento sem passado e frequentemente também sem futuro. Uma história “para não ser continuada”. Uma oportunidade única a ser consumada enquanto dure e no ato, sem adiamento e sem deixar questões inacabadas para outra ocasião”. (p. 111)
Créditos:
Texto, Roteiro, Ilustrações, Trilha Sonora e Edição:
Rodolfo Quinafelex
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