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Refrações de Rodolfo Quinafelex sobre o livro “Existe Design?” de Ivan Mizazunk, Daniel Portugal e Marcos Beccari.

“O design em nossa perspectiva anti-instrumental, é potência de enunciação sobre si mesmo, e por conseguinte, sobre todas as coisas que constituem nosso mundo. Mas, para liberar tal potência, é preciso reconhecer e conhecer todo um universo complexo e instigante que existe para além do design. Design é abertura, não fechamento. Ele não agrega apenas diversos tipos de conhecimento, cada qual supostamente homogêneo em si mesmo, mas provém antes do espanto que afeta cada campo de estudo, impedindo-o de ser homogêneo. O design nos motiva a descobrir, desejar, encontrar, expressar. Não há um método infalível para isso, apenas um longo (e muitas vezes ingrato) trajeto. Nós designers somos mais espectadores do que autores: em vez de resolver ou dar respostas, contemplamos e fazemos contemplar. Ao invés de errar e dar lições de moral, insistimos no erro para ver até que ponto ele está errado. Passamos o tempo a ordenar formas, a dispô-las de outro modo, a eliminar algumas delas, a fazer prosperar outras. Nada nos motiva mais do que o acaso.” (PORTUGAL; BECCARI, p. 125)

“Só temos acesso ao mundo através de nossos sentidos, e a cada momento, nossos sentidos absorvem uma quantidade enorme de estímulos caóticos e mutáveis. Através de nossa memória, nossos interesses, nossa linguagem e nossa imaginação, organizamos esses estímulos em um todo que passamos a encarar como “a realidade”. Portanto, as coisas que existem nessa realidade, existem, em parte, porque foram inventadas por nós.” (PORTUGAL, p. 26)

Criação. Projeto. Arte. Como definir uma concepção tão ampla, que bebe de tantas fontes e se desdobra em tantos suportes de diferentes maneiras? Entre teorias e técnicas, o design sempre teve como essência o entendimento de diversos campos para encontrar fundamentos e assim se concretizar em diversos meios com o máximo de repertório. Seria essa discussão que se faz tão presente nos momentos em que estudamos o design uma definição possível, ou dada sua abrangência, defini-lo poderia ser considerado uma ação reducionista? E mais do que isso, seria o design o expoente da multiplicidade do nosso tempo?

 

“A ausência de design é o que torna o trabalho ruim. Transformamos assim o design em um ente metafísico, tão nobre, misterioso e incompreensível quanto um ser divino. Notemos que, com isso, voltamos ao problema a respeito do que entendemos por design: afinal, esperamos preocupação social? Coerência? Bom uso de cores e formas? E o que significa tudo isso? Parece-me que é por isso que, às vezes, ao discutirmos sobre como o design “deve ser”, temos a sensação de estarmos discutindo sobre o “sexo dos anjos”. Recorremos novamente ao relativismo de nosso dia-a-dia, pois é uma alternativa mais fácil (em primeiro momento). Isso, contudo, não evita que o problema moral esteja ainda lá.” (MIZANZUK, p. 77)

Como pensar o design? O que existe artificialmente ao nosso redor e como percebemos a maneira com que interagimos com uma série de objetos do nosso cotidiano em tantos desdobramentos? O que nos faz de fato designers? Seriamos criadores de obstáculos para remover obstáculos, de maneira a pensar em como podemos e devemos articular o que nos cerca para alcançar o que nos motiva? Ou trapaceiros trapaceados, criando em cima de conceitos da arte, da comunicação e da linguagem? Existe Design? E se existe, o que o design pode fazer?

 

“É como se pudéssemos escolher entre dois aspectos de um mesmo fato, optando sempre pelo lado mais conveniente. E aqui reside a natureza trágica da religião do design: embora adquira uma aparência mais dócil, aquilo que vemos não deixa de existir. A cegueira não é porque não conseguimos ver, mas porque fingimos que não vemos. A ironia é que, ao trapacear a desgraça humana, o design somente reforça uma sensação de que estamos sendo enganados. Desse modo, o próprio design fundamenta a possibilidade de sua existência – e é por isso que, aliás, não faz sentido algum haver hereges que são contra o design. O Velho Testamento do design é contundente: quanto mais trapaceamos o mundo, mais somos trapaceados pelo design.” (BECCARI, p. 36)

A pluralidade que se faz tão presente nos nossos dias parece ser um pré-requisito quando pensamos no que é intrínseco à atuação do design. A necessidade de uma compreensão tão abrangente, pode parecer por vezes um convite a nos perdermos em nossas próprias ideias. Como e onde o designer encontra subsídios para suas criações? Como pensar sua função e como determinar a maneira com que ele atua em tantos lugares? Se o design é hoje cada vez mais plural, como expressar suas ações entre o físico e o digital, o atual e o virtual. Da tinta ao pixel, do gráfico ao produto, desde quando o design de fato se faz presente entre nós, como ele muda nossas vidas e até onde ele interfere no que fazemos, como fazemos e qual é a sua influência no que essencialmente somos?

 

“Quando penso no fato de existirem tantas coisas com a palavra design ao meu redor, não consigo aceitar tal cenário como evidência de sua existência. Afinal, seria muita ingenuidade nossa acreditar que se crescerem ainda mais o número de igrejas e templos, os ateus deixariam de existir. A comparação pode parecer forçada, mas acreditamos ser plausível aceitar o impasse de que todas as indagações aqui levantadas, no fim, são tentativas desesperadas de afirmação por um motivo de ser e estar no mundo. Somente o crente dogmático tem coragem de dizer que sua religião é melhor que a do outro. Neste ponto, acabo sendo filho do ceticismo. Como diria Oscar Wilde, com a devida licença poética, já não sou mais jovem o suficiente para saber de tudo. O tal do sentimento trágico de não sabermos por que aqui estamos e pra onde iremos, me devora e tortura. Inventamos essas histórias, família, religião, profissão, mercado, design, a própria História, para aguentarmos. Não vivemos. Sobrevivemos. Ainda assim, apesar de todas as dúvidas levantadas e a intencional falta de resposta, distorço um conhecido ditado popular para estabelecer minha posição definitiva: não acredito no design. Mas que existe, existe.” (MIZANZUK, p. 22)

Créditos:
Texto, Roteiro, Ilustrações e Edição:
Rodolfo Quinafelex

Trilha sonora deste episódio:
Felipe Ayres

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