Skip to main content

 

Refrações de Rodolfo Quinafelex sobre a obra “A Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord.

 

“As imagens que se desligaram de cada aspecto da vida, fundem-se num curso comum, onde a unidade desta vida já não pode ser restabelecida. A realidade considerada parcialmente, desdobra-se na sua própria unidade geral enquanto pseudomundo à parte. Objeto de exclusiva contemplação. A especialização das imagens do mundo encontra-se realizada no mundo da imagem autonomizada, onde o mentiroso mentiu a si próprio. […] No mundo realmente reinvertido, o verdadeiro é um momento do falso” (DEBORD, p. 22).

“Lá onde o mundo real se converte em simples imagens, essas simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico. O espetáculo, como tendência para fazer ver por diferentes mediações especializadas o mundo que já não é diretamente apreensível, encontra normalmente na visão o sentido humano privilegiado que noutras épocas foi o tato; o sentido mais abstrato, e o mais mistificável, corresponde à abstração generalizada da sociedade atual. Mas o espetáculo não é identificável ao simples olhar, mesmo combinado com o ouvido. Ele é o que escapa à atividade dos homens: a reconsideração e à correção da sua obra. É o contrário do diálogo. Em toda parte onde há representação independente, o espetáculo reconstitui-se.” (DEBORD, p. 25)

Fazemos parte de um sistema de mercantilização social através da produção e reprodução de imagens? Uma alienação, que assume novas formas e reifica a vida com distorções emocionais e psicológicas? Passamos para um modelo de acumulação não mais pelo material da mercadoria, mas sim pelo que sua imagem representa? Para Guy Deboard, vivemos em uma sociedade que articula-se em um conjunto mediatizado, onde reconstituem-se as próprias relações sociais. Um mundo que agora passa a ser apenas uma visão do próprio mundo.

“A origem do espetáculo é a perda da unidade do mundo, e a expansão gigantesca do espetáculo moderno exprime a totalidade desta perda: a abstração
de todo o trabalho particular e a abstração geral da produção do conjunto traduzem-se perfeitamente no espetáculo, cujo modo de ser concreto é justamente a abstração. No espetáculo, uma parte do mundo representa-se perante o mundo, e é-lhe superior. O espetáculo não é mais do que a linguagem comum desta separação. O que une os espectadores não é mais do que uma relação irreversível no próprio centro que mantém o seu isolamento. ” (DEBORD, p. 26)

Você consegue perceber o espetáculo que se disfarça? Distorcendo o que é através do que parece ser? O espetáculo no fim das contas não quer chegar a outra coisa que não ele mesmo, sem distinção entre aparência e essência. A constituição da imagem é o que dá o significado da importância do que parece ser.

“O consumidor real toma-se um consumidor de ilusões. A mercadoria é esta ilusão efetivamente real, e o espetáculo a sua manifestação geral. O valor de uso, que estava implicitamente compreendido no valor de troca, deve estar agora explicitamente proclamado na realidade invertida do espetáculo, justamente porque a sua realidade efetiva é corroída pela economia mercantil superdesenvolvida; e porque uma pseudojustificação se torna necessária à falsa vida. (DEBORD, p. 32)

Uma paisagem da natureza de verdade, quando passa a ser loteada, passa a ter a imagem de um espaço de sedução para atrair compradores, e se converte em mercadoria. A imagem no espetáculo absorve até mesmo o calendário, mercantilizando o natal com produtos decorativos em shoppings, a Páscoa com seus ovos de chocolate e o erotismo distorcido em diferentes níveis do carnaval ao dia dos namorados. Constitui-se um “tempo espetacular”. O espetáculo absorve até os atos de resistência. As contestações visuais como demonstração de rebeldia, roupas pretas, tatuagens, piercings, gestos, palavras de ordem – tudo se rende a sua lógica.

“O espetáculo é a outra face do dinheiro: o equivalente geral abstrato de todas as mercadorias. Mas se o dinheiro dominou a sociedade enquanto representação da equivalência central, o espetáculo é o seu complemento moderno desenvolvido, onde a totalidade do mundo mercantil aparece em bloco como uma equivalência geral ao que o conjunto da sociedade pode ser e fazer. O espetáculo é o dinheiro que se olha somente, pois nele é já a totalidade do uso que se trocou com a totalidade da representação abstrata. O espetáculo é em si próprio, o pseudo-uso da vida” (DEBORD, p. 33)

Quem será realmente o influenciador e o influenciado? Vivemos em uma mídia de ficção totalitária, que confunde jornalismo com entretenimento e publicidade? O vertiginoso consumo de imagens em sequência descaracteriza suas associações com a própria realidade, não deixando tempo para aprofundamentos e reflexões. Entre plataformas constituídas por algoritmos que sequenciam dados sem fim e criam bolhas sociais, troca-se o fato por uma ilusão confortante. Uma sociedade de espectadores com a amarga esperança de encontrar em telas eletrônicas algum lampejo que enalteça a banalidade de suas vidas.

“A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto: os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que os apresenta. Eis porque o espectador não se sente em casa em nenhum lado. Porque o espetáculo está em toda a parte.” (DEBORD, p. 28)

Créditos:
Texto, Roteiro, Ilustrações, Trilha Sonora e Edição:
Rodolfo Quinafelex

✉️ E-mail para contato:
contato@refracoes.com

➡️ Conheça e siga também no Instagram.

📺 Assista e inscreva-se no YouTube.

🎧 Ouças nas principais plataformas de áudio:
Spotify |Apple Podcasts | Deezer | Google Podcasts