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Refrações de Rodolfo Quinafelex sobre a obra “Humano, Demasiado Humano” de Friedrich Nietzsche.

 “Tudo o que é essencial na evolução humana se realizou em tempos primitivos, antes desses quatro mil anos que conhecemos aproximadamente. Nestes o homem já não deve ter se alterado muito. O filósofo, porém, vê “instintos” no homem atual e supõe que estejam entre os fatos inalteráveis do homem, e que possam então fornecer uma chave para a compreensão do mundo em geral. Toda a teleologia se baseia no fato de se tratar o homem dos últimos quatro milênios como um ser eterno, para o qual se dirigem naturalmente todas as coisas do mundo, desde o seu início. Mas tudo veio a ser; não existem fatos eternos: assim como não existem verdades absolutas.” (NIETZSCHE, p. 10)

“Aos poucos, não apenas o indivíduo, mas toda a humanidade se alçará a esta virilidade, quando enfim se habituar a uma maior estima dos conhecimentos sólidos e duráveis, e perder toda crença na inspiração e na comunicação milagrosa de verdades. – É certo que os adoradores das formas, com sua escala do belo e do sublime, terão boas razões para zombar inicialmente, tão logo a estima das verdades despretensiosas e o espírito científico comecem a predominar: mas apenas porque seus olhos não se abriram ainda para a atração da forma mais simples, ou porque os homens educados nesse espírito ainda não se acham plena e intimamente tomados por ele, de modo que continuam a imitar irrefletidamente as velhas formas.” (NIETZSCHE, p. 11)

O que é a verdade? Precisamos valorizar nossos instintos e não dar total prioridade para a nossa razão? Vivemos em um tempo no qual sentimos que os sentidos estão sendo ignorados por causa de valores construídos pela racionalidade? Que ao tentar nos proteger, criamos barreiras para vivermos uma vida que gostaríamos que fosse plena? O homem tende a inventar conceitos para estabelecer regras, e assim trilhar caminhos em busca do poder e dominação.

“Seja como for, com a religião, a arte e a moral não tocamos a “essência do mundo em si”; estamos no domínio da representação, nenhuma “intuição” pode nos levar adiante. Com tranqüilidade deixaremos para a fisiologia e a história da evolução dos organismos e dos conceitos a questão de como pode a nossa imagem do mundo ser tão distinta da essência inferida do mundo.” (NIETZSCHE, p. 12)

O homem ao observar o mundo caótico, tenta consertar as coisas criando uma suposta realidade racional, dentro de uma fórmula que de fato não existe. Como se pudesse materializar um mundo belo e justo, falseado através do medo. O mesmo medo que o homem tem em aceitar o acaso. Se perde em meio a planos idealizados para tentar justificar possíveis fracassos e mazelas que contrariam as nossas expectativas. Para Nietzsche, “apenas homens muito ingênuos podem acreditar que a natureza humana pode ser transformada numa natureza puramente lógica. Mesmo o homem mais racional precisa, de tempo em tempo, novamente da natureza, isto é, de sua ilógica relação fundamental com todas as coisas.”

“Pode-se prometer atos, mas não sentimentos; pois estes são involuntários. Quem promete a alguém amá-lo sempre, ou sempre odiá-lo ou ser-lhe sempre fiel, promete algo que não está em seu poder; mas ele pode prometer aqueles atos que normalmente são consequência do amor, do ódio, da fidelidade, mas também podem nascer de outros motivos: pois caminhos e motivos diversos conduzem a um ato. A promessa de sempre amar alguém significa, portanto: enquanto eu te amar, demonstrarei com atos o meu amor; se eu não mais te amar, continuarei praticando esses mesmos atos, ainda que por outros motivos: de modo que na cabeça de nossos semelhantes permanece a ilusão de que o amor é imutável e sempre o mesmo. – Portanto, prometemos a continuidade da aparência do amor quando, sem cegar a nós mesmos, juramos a alguém amor eterno.” (NIETZSCHE, p. 34)

Algo se perdeu na passagem da mitologia para a filosofia. O espírito precisa da harmonia entre a razão e a emoção. Entre a ordem e o caos. O equilíbrio e o excesso. É o apolíneo contra o dionisíaco. Não somos apenas serenidade e austeridade. O que nos move tem transe e paixão. Desse modo, podemos nos questionar: seria a razão pura, simplesmente falha? Fazendo com que o universo fique mais distante de nós? Regras de um jogo que jogamos sem nos dar conta, e que através dela, o homem não aceita a vida como ela se apresenta, e finge não existir o que está fora do nosso controle? Como aprender a caminhar nesse caos e lidar com a vida em sua total multiplicidade? Como um jogo de dados onde o resultado é imprevisível, e ainda sim conta com tantas repetições. A questão é: quem reconhece a repetição e a diferença, que estabelece esta ordem de reconhecimento? Eis o humano, demasiado humano.

“Nosso tempo dá a impressão de um estado interino; as antigas concepções do mundo e as antigas culturas ainda existem parcialmente, as novas não são ainda seguras e habituais, e portanto não possuem coesão e coerência. É como se tudo se tornasse caótico, o antigo se perdesse, o novo nada valesse e ficasse cada vez mais frágil. Mas assim ocorre com o soldado que aprende a marchar: por algum tempo ele é mais inseguro e mais desajeitado do que antes, porque seus músculos são movidos ora pelo velho sistema ora pelo novo, e nenhum deles pode declarar vitória. Nós vacilamos, mas é preciso não se inquietar por causa disso, e não abandonar as novas aquisições. Além disso não podemos mais voltar ao antigo, já queimamos o barco; só nos resta ser corajosos, aconteça o que acontecer. – Apenas andemos, apenas saiamos do lugar!” (NIETZSCHE, p. 97)

Créditos:
Texto, Roteiro, Ilustrações, Trilha Sonora e Edição:
Rodolfo Quinafelex

Este episódio contou com a colaboração especial de Marcos Beccari.

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