Refrações de Rodolfo Quinafelex sobre a obra “O que é Virtual?”, de Pierre Lévy.
“Seres humanos, pessoas daqui e de toda parte, vocês que são arrastados no grande movimento da desterritorialização, que reunidos e dispersos, vivem capturados, esquartejados nesse imenso acontecimento do mundo que não cessa de voltar a si e de recriar-se, vocês que são jogados vivos no virtual, que são pegos nesse enorme salto que nossa espécie efetua em direção a nascente do fluxo do ser, no núcleo mesmo desse estranho turbilhão. Vocês estão em sua casa. Bem-vindos à nova morada do gênero humano. Bem-vindos aos caminhos do virtual!” (LEVY, p. 103)
“O virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização. Esse complexo problemático pertence à entidade considerada e constitui inclusive uma de suas dimensões maiores. O problema da semente por exemplo, é fazer brotar uma árvore.” (LEVY, p. 5)
Onde você verdadeiramente está? É aceitável pensar que suas ideias se multiplicam em diversos lugares enquanto seu corpo está preso em um único local? Qual a real importância e a diferença entre os diversos níveis de experiência que podemos ter? Nos diversos processos evolutivos que a humanidade passou até então, o mais recente é o que lida com a questão da virtualização com mais força, graças a novas interpretações pela tecnologia. A virtualização como mutação em curso não é boa, nem má. Mas sim um movimento do “devir outro” do humano. É preciso aprender, pensar e compreender sua amplitude, e não apenas condená-la as cegas.
“A projeção da imagem do corpo é geralmente associada a noção de telepresença. Mas a telepresença é sempre mais que a simples projeção da imagem. O telefone, por exemplo, já funciona como um dispositivo de telepresença. Uma vez que não leva apenas uma imagem ou uma representação da voz: transporta a própria voz. O telefone separa a voz (ou corpo sonoro) do corpo tangível e a transmite à distância. Meu corpo tangível está aqui, meu corpo sonoro, desdobrado, está aqui e lá. Os sistemas de realidade virtual transmitem mais que imagens: uma quase presença.” (LEVY, p. 13)
Lemos ou escutamos o texto? O que ocorre? Paradoxalmente, será que ler e escutar, nos faz começar a negligenciar, desler ou desligar o texto? Ao mesmo tempo que o rasgamos pela leitura ou pela escuta, o amarrotamos? Relacionando uma a outra as passagens que se correspondem? Ler um texto seria reencontrar os gestos têxteis que lhe deram seu nome? Um pensamento se atualiza num texto, e ao realizarmos uma atualização nesse texto, passamos a virtualização do hipertexto. Assim, criamos um campo textual disponível, móvel, reconfigurável, e o conectamos com outros corpos hipertextuais. Em quantos links você clicou hoje? Navegando pela Internet com conexões infinitas entre textos, sons, vídeos e imagens. Por quantos significados cada conceito deve ter passado na rede? Por quantas diferentes leituras e construções uma palavra e suas ligações diretas e indiretas já fizeram parte de diferentes perspectivas?
“O corpo sai de si mesmo, adquire novas velocidades, conquista novos espaços. Verte-se no exterior e reverte a exterioridade técnica ou a alteridade biológica em subjetividade concreta. Ao se virtualizar, o corpo se multiplica. Criamos para nós mesmos organismos virtuais que enriquecem nosso universo sensível sem nos impor a dor. A virtualização do corpo não é uma desencarnação, mas uma reinvenção, uma reencarnação, uma multiplicação. Contudo, o limite jamais está definitivamente traçado entre a heterogênese e a alienação, a atualização e a reificação mercantil, a virtualização e a amputação. Esse limite indeciso deve ser constantemente considerado, avaliado com o esforço renovado, tanto pelas pessoas no que diz respeito a sua vida pessoal, quanto pelas sociedades no âmbito das leis.” (LEVY, p. 17)
Em quantos lugares podemos estar ao mesmo tempo? E como? Se o que realmente nos importa são as sensações e experiências, podemos artificialmente trilhar caminhos virtualmente mais interessantes do que a suposta realidade? Seria a visão de que estamos nos distanciando cada vez mais uns dos outros, uma ideia negativa que ainda não se conseguiu largar por velhos paradigmas ou podemos realmente estar construindo algo ruim para cada um de nós? Qual o futuro de nossas relações com as novas tecnologias de virtualização e como lidar com a relação de nossas mentes, percorrendo tantos lugares e criando diferentes experiências em cada um deles? Você, agora mesmo. Você está no virtual, e faz parte dele. Ao ouvir esse podcast ou ler sua transcrição, sua mente construiu sua própria narrativa, a sua maneira, baseada em minhas palavras e suas próprias referências. Minha voz se faz presente em vários lugares com outras pessoas, em tempos diferentes ou simultaneamente. O possível, e o virtual. O real, e o atual acontecem aqui. E não cessará.
“O tempo humano não tem o modo de ser de um parâmetro ou de uma coisa. Ele não é justamente real, mas o de uma situação aberta. Nesse tempo assim concebido e vívido, a ação e o pensamento não consistem apenas em selecionar entre possíveis já determinados, mas em reelaborar constantemente uma configuração significante de objetivos e de coerções, em improvisar soluções, em reinterpretar deste modo uma atualidade passada que continua a nos comprometer. Por isso vivemos o tempo como problema. Em sua conexão viva, o passado herdado, rememorado, reinterpretado, o presente ativo e o futuro esperado, temido, ou simplesmente imaginado, são de ordem psíquica, existenciais. O tempo como extensão completa não existe a não ser virtualmente.” (LEVY, p. 46)
Créditos:
Texto, Roteiro, Ilustrações, Trilha Sonora e Edição:
Rodolfo Quinafelex
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